sexta-feira, 15 de maio de 2009

Percepções dos enfermeiros sobre a metodologia da assistência de Enfermagem

Enéas Rangel Teixeira*
Rosalda da Cruz Nogueira Paim**
Fátima Helena do Espírito Santo***


RESUMO: Este trabalho realiza uma discussão crítica da metodologia científica da assistência
de enfermagem diante da realidade do trabalho do enfermeiro. Trata-se de uma pesquisa qualiquantitativa.
Foram aplicados questionários em 84 enfermeiros e realizadas 26 entrevistas em
sujeitos lotados em hospitais de duas Universidades do Estado do Rio de Janeiro. Levantaramse
as seguintes categorias: conhecimento, metodologia e prática profissional, ensino e prática
da metodologia, importância do processo de enfermagem. Concluiu-se que as condições de
trabalho, a política institucional, a deficiência de pessoal e a hegemonia médica dificultam a
implantação do processo de enfermagem na prática. Existe uma dicotomia entre os conceitos
teóricos apreendidos na graduação e a prática profissional. O processo é considerado por uma
parcela significativa como fundamental para a prática profissional.
Palavras-chave: Enfermagem. Assistência. Metodologia.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este trabalho resulta de nossas vivências na assistência e docência em enfermagem no campo
da metodologia da assistência de enfermagem. As inquietações e conflitos existentes entre a
prática e a teoria serviram como fatores motivadores para realizar esta pesquisa. O estudo,
em causa, teve como objetivo realizar uma discussão crítica da metodologia científica da
assistência de enfermagem em relação à prática do enfermeiro, procurando entender o pensar
e o fazer a respeito do processo de enfermagem. Realizamos comparações de depoimentos de
enfermeiros que trabalham em hospitais de duas universidades públicas: uma que adota a
metodologia científica e outra que não adota.
Dessa forma, destacamos os aspectos conceituais e críticos envolvidos com o processo de
enfermagem e sua função utilitária.
Trata-se de um trabalho que tem seus desdobramentos no ensino e na prática profissional
exigindo, assim, aprofundar os estudos nessa área no sentido de reconhecer a real situação da
prática do enfermeiro no que se refere a
metodologia da assistência.
A metodologia científica da assistência de
enfermagem, ou processo de enfermagem
surge num contexto histórico com ênfase em
nível acadêmico tornando as ações de
enfermagem em acordes como o método
científico. Tal método aplicado a enfermagem
* Doutor em Enfermagem. Professor do Departamento
de Enfermagem Médico-cirúrgica da Escola de
Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAAC) UFF.
** Doutora em Enfermagem. Professora aposentada
da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa
da UFF.
*** Doutora em Enfermagem Professora do Departamento
de Enfermagem Médico Cirúrgica da EEAAC
- UFF.
88 R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004.
visa sistematizar, organizar a prática,
qualificar a assistência e definir as atribuições
do enfermeiro.
As iniciativas em planejar cientificamente a
assistência de enfermagem no Brasil tiveram
início na década de 50 por influência Norte
Americana por meio das obras de Rogers e
Henderson (SANTOS, 1994, p. 40).
No ano de 1965, o Congresso Brasileiro de
Enfermagem, recomendou a utilização do
plano de enfermagem (PAIM, 1976). Isto
dentro por repercussão do cientificismo que
norteava a profissão, num contexto histórico
em que a enfermagem abria campo para a
produção científica.
Dentro deste contexto surgiram os teóricos
de enfermagem que visaram a construção de
um arcabouço metodológico que desse
suporte a planejamento da assistência de
enfermagem no Brasil. Dentre eles citamos o
marco conceitual de Horta, que na década de
70 elaborou a Teoria das Necessidades
Humanas Básicas e preconizou o processo de
enfermagem na prática profissional,
considerando como essência da enfermagem.
Nesse contexto PAIM (1976, p. 19) criou a
Teoria Sistêmica e Ecológica de Enfermagem;
um modelo de processo de enfermagem,
“Processo Cibernético” em 1974, objetivando
respaldar a assistência.
Outros modelos de processo de enfermagem
surgiram na literatura. Citamos Paim (1976)
e Queiroz (1988).
Dando legalidade ao processo de enfermagem,
surge a lei do exercício profissional (no 7.498/
1986) que prevê as atribuições do enfermeiro
ligada à metodologia da assistência de
enfermagem. Entretanto, o enfermeiro, mesmo
tendo respaldo legal para a execução da
metodologia da assistência, poucos efeitos
têm-se observado no cotidiano da prática.
Contudo, a falta de relação entre os conceitos
teóricos e a prática profissional cria uma
dissonância e gera conflitos na assistência de
enfermagem no que se refere ao uso da
metodologia que, ao ser aplicada, se torna de
modo fracionada e distorcida dos princípios
teóricos.
Sobre a formação do enfermeiro no que se
refere ao processo de enfermagem, existe uma
profunda dicotomia com o seu trabalho
prático. BUENO e outros (1987) ressaltam
que não há uma consonância entre o que é
aprendido e o que é vivenciado na prática de
enfermagem. Isto se aplica à utilização da
metodologia da assistência pois, geralmente,
os enfermeiros têm experiência com o
processo como estudante, mas não o mantém
na sua prática.
Ao refletirmos sobre as nossas ações como
profissionais da saúde deparamo-nos com
condições precárias de trabalho, de modo que
estas situações forçam o enfermeiro a exercer
funções burocráticas que o distanciam da
assistência propriamente dita. Determinadas
instituições de saúde no Brasil ainda
empregam pessoas pouco qualificadas e
enfermeiros como seus supervisores e,
certamente, isto reforça as contradições no
campo da enfermagem impedindo que a
assistência seja de qualidade.
Sobre a constituição desse saber na prática,
Almeida (1986) ressalta que o saber de
enfermagem não é legitimado nas instituições
e é indefinido na prática. Observa-se que os
enfermeiros dão suporte ao saber médico ao
mesmo tempo em que buscam status
científico de modo incipiente.
Dentro desta visão, Paim (1991) afirma que a
prática de enfermagem é compatível com o
paradigma biomédico que norteou o modelo
científico e a evolução da enfermagem até
nossos dias. A enfermagem no Brasil, embora
tenha surgido no contexto da saúde pública,
teve a sua evolução no âmbito da medicina
adotando, desde logo, o seu paradigma. Essa
situação atinge a enfermagem e não
corresponde aos interesses dos usuários e dos
trabalhadores na enfermagem.
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004. 89
Considera-se que, para a enfermagem
alcançar o seu próprio saber, é preciso romper
o modelo biomédico e buscar seus caminhos,
o que implica em uma ruptura em nível
epistemiológico e político.
A partir dessas reflexões surgiram, como
norteadores de nosso problema, as seguintes
questões: O que os enfermeiros conhecem
sobre a metodologia científica da assistência
de enfermagem? Como os enfermeiros
consideram o aspecto utilitário da metodologia
em relação à prática profissional? De que
forma os enfermeiros vêem a relação entre o
ensino e a prática do processo de enfermagem?
Qual a importância da metodologia científica
da assistência de enfermagem na prática do
enfermeiro?
2 ASPECTOS
METODOLÓGICOS
Estudo descritivo e exploratório. A pesquisa é
quanti-qualitativa. O universo considerado se
restringiu aos hospitais de duas universidades
no estado do Rio de Janeiro. Inicialmente,
elaboramos um modelo de questionário que
foi submetido ao “pré-teste piloto”. Foram
aplicados 22 questionários nos enfermeiros e,
logo após, de posse dos resultados estabelecemos
o questionário definitivo. A coleta dos
dados quantitativos foi realizada no 2o semestre
de 1992 e de 1993. As entrevistas foram
feitas no 2o semestre de 1995.
Aplicamos 84 questionários em hospitais de
duas universidades públicas. Na primeira,
que convencionamos chamar de instituição
A, aplicamos 36 questionários num hospital
geral e 14 num hospital de pediatria e puericultura
vinculado à universidade. Procedemos
assim porque o hospital geral da instituição
A não tinha clínica pediátrica. Na outra
universidade, que denominamos instituição
B, aplicamos 34 questionários em um hospital
geral. Dos elementos submetidos aos
questionários, 89,3% deles eram do sexo
feminino e 10,7% do sexo masculino; a
maioria com mais de 2 anos de formado:
45,2% com habilitação, 42% com habilitação
e especialização e apenas 2,3% tem mestrado.
Para aprofundarmos a pesquisa realizamos
26 entrevistas semi-estruturadas nas
referidas instituições: 20 entrevistas foram
gravadas em fita magnética e transcritas e 6
foram registradas manualmente. A maior
parte dos enfermeiros tinha mais de 10 anos
de formado, possuindo especialização ou
residência em enfermagem. Em sua maioria
as pessoas escolhidas foram aquelas
diretamente envolvidas com a assistência de
enfermagem de modo que tinham experiências
suficientes para falarem sobre o assunto
em causa.
Os depoimentos foram colhidos de enfermeiros
assistenciais distribuídos nas enfermarias
de clínica médica, clínica cirúrgica e maternoinfantil.
O critério de aplicação obedeceu às
visitas aos plantões permitindo uma escolha
aleatória.
A codificação dos resultados quantitativos foi
aferido por freqüência (%). Os dados provenientes
das entrevistas e das questões
abertas dos questionários foram categorizados
pela semelhança dos conteúdos emitidos
e pela repetição das respostas.
Das categorias surgidas sobre a metodologia
científica da assistência de enfermagem,
evidenciam-se: conhecimento, metodologia e
prática profissional, importância do processo
de enfermagem as quais são analisadas a
seguir. As citações dos entrevistados se
encontram em recuo, para destaque.
90 R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004.
3 CONHECIMENTOS
SOBRE A
METODOLOGIA
CIENTÍFICA DA
ASSISTÊNCIA DE
ENFERMAGEM
Os conceitos referentes à metodologia da
assistência surgem como recursos para
instrumentalizar a prática profissional,
tornando-a científica e sistematizada. Esta
visão é compartilhada pelos protagonistas do
processo de enfermagem os quais sustentam
que o processo tem como objetivo favorecer
um corpo de conhecimento na enfermagem,
além de sistematizar e valorizar a prática
(HORTA, 1979). Essa colocação é uma
maneira de se introduzir uma racionalidade
no trabalho do enfermeiro, de modo a permitir
um acompanhamento do processo de trabalho.
Isto ficou bem evidente na pesquisa, na qual a
Metodologia é considerada como sinônimo de
planejamento, processo de enfermagem que
organiza a prática profissional. Assim, uma
enfermeira diz que:
Basicamente o processo de enfermagem
é: a identificação dos problemas, o
planejamento da assistência, a prescrição
de enfermagem e a execução dessa assistência.
Há uma nítida preocupação do enfermeiro em
ter um controle sobre o processo de trabalho
e em organizar o espaço hospitalar no que se
refere a assistência. Esta atribuição é
determinada historicamente ao enfermeiro e
ficou evidente no presente trabalho pelo
relato do seguinte depoente:
O enfermeiro no planejamento da
assistência é a figura primordial porque
ele sendo chefe de equipe ele seria como
coordenador de todo esse processo da
assistência de enfermagem.
Entretanto, na atual conjuntura existem
entraves na prática de enfermagem, impostos
pela política institucional que, ordinariamente,
contribuem para que os profissionais de
enfermagem não tenham uma consciência
crítica sobre o processo de trabalho nem,
tampouco, participem das decisões efetivas
dentro da instituição. Nesse sentido o
enfermeiro não consegue realizar um
planejamento efetivo da assistência.
Os referenciais teóricos buscados pelos
enfermeiros não provém do exercício
cotidiano das suas práticas, mas dos conceitos
assimilados na graduação ou na pósgraduação.
Tal achado nos leva a dizer que o
ensino da metodologia da assistência foi
enfatizado na graduação e que não houve uma
continuidade efetiva desse método na prática
de trabalho. Isto permite que o conhecimento
sobre a metodologia surja de modo vago e
elementar, com referências ao passado e ao
esquecimento. Apesar de ocorrer uma busca
referencial aos conceitos acadêmicos para
subsidiar a prática, paralelamente é reforçado
que os conceitos teóricos da graduação não
têm aderência prática, como ilustra o seguinte
enfermeiro:
Estudei o assunto quando estudante, mas
não é aplicada em nenhum lugar em que
trabalhei, mesmo aqui, no hospital
universitário, portanto esquecido.
Isso fica esclarecido quando grande parte dos
enfermeiros depoentes, Tabela 1, afirma que
possuem poucas informações sobre as teorias
de enfermagem, 48% na instituição A e 58,8%
na instituição B. Se realmente essas teorias
estivessem subsidiando a prática, os enfermeiros
pesquisados expressariam maiores
conhecimentos sobre elas. Entretanto, esses
conhecimentos são superficiais, internalizados
de forma confusa e embrionários.
Contudo, não houve um conhecimento nulo
sobre as teorias, o que é explicado pela aquisição
de saberes difundidos na graduação, pósgraduação
e eventos técnico-científicos. Isto é
ilustrado pelos seguintes depoimentos dos
entrevistados.
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004. 91
– Conheço algumas, mas nunca consegui
entender muito bem, mas conheço a
teoria de Orem, a única que consegui
associar com a prática.
– Sobre as teorias de enfermagem não me
lembro muito bem porque a gente vê isso
lá na graduação [...] Não praticando e não
lendo sempre, a gente acaba esquecendo.
Quanto as teorias de enfermagem mais
citadas, pelos enfermeiros, as mais
freqüentes, foram a das Necessidades
Humanas Básicas de Wanda Horta e do
Autocuidado de Dorothea Orem. Estas teorias
tiveram maior difusão na formação e na
prática assistencial. A influência de Horta
provavelmente se deve ao seu trabalho
primordial na sistematização da assistência
de enfermagem no Brasil. Todavia, resta-nos
uma profunda reflexão sobre os efeitos dessas
teorias na prática de enfermagem. Assim,
necessitamos de melhores estudos para
verificar a utilidade das teorias de enfermagem
no ensino e na prática.
Há uma preocupação dos enfermeiros com os
efeitos práticos das teorias, de modo que não
existem motivações em comentar sobre elas.
Uma parte dos depoentes diz nada saber
sobre as teorias de enfermagem. Os enfermeiros
mais qualificados falam, exaustivamente,
das teorias de enfermagem, de modo
a citar um cabedal de teorias, que permanecem
mais em termos conceituais do que
numa efetiva ação prática. Isto indica que a
formação está tendo um direcionamento não
coerente com o saber da enfermagem diante
das reais condições do trabalho de enfermagem
no Brasil. Neste sentido Barros (1992,
p. 99) também ressalta que
os enfermeiros são preparados para o que
‘deveriam fazer’ e não o que efetivamente
fazem, isto tem conferido ao profissional
uma desqualificação técnica.
Apesar de os conceitos adquiridos na graduação
terem uma conotação idealista, sem aderência
real em determinadas situações, percebemos
que a prática por si mesmo, norteada pelo fazer
vem impregnado de utilitarismo e pragmatismo.
Essa visão expressa as condições de
trabalho de enfermagem na instituição hospitalar,
que estabelece as diretrizes para o
trabalho de enfermagem. Há uma dicotomia
entre o saber e o fazer. Por um lado encontrase
um saber idealista, sem relação com a prática
e, por outro, percebe-se a preocupação pragmática
e utilitária do enfermeiro.
O desconhecimento do enfermeiro sobre as
suas reais atribuições impede que ele utilize
seus recursos e adote ações não muito
confortáveis e isto dificulta a instrumentalização
e a consciência do real papel do
enfermeiro na prática.
– Hoje eu sinto falta desse conhecimento
da metodologia, eu me sinto estagnada.
Isto porque não sei desenvolver bem essa
parte, me desestimula. Então eu me sinto
como se estivesse com uma viseira na
minha frente.
Constatamos, também, uma preocupação do
enfermeiro em tratar a clientela de modo
Tabela 1: Conhecimento dos enfermeiros sobre as teorias de enfermagem, RJ, 1993.
Fonte: Os autores.
Conhecimento Instituição
A (%) B (%)
Possuem poucas informações sobre elas 24 (48 %) 20 (58,8 %)
Conhece algumas 24 (48 %) 9 (26,5 %)
Desconhece-as 0 (0 %) 0 (0 %)
Não respondeu 2 (4 %) 5 (14,7 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
92 R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004.
unitário e integral. Isto demonstra que o
cuidar requer um saber que dê conta dos
aspectos psicossociais do sujeito, que não são
explicados pelo modelo biomédico mecanicista
(PAIM, 1986, 1991). O que também
aponta o desejo do enfermeiro, mesmo que
timidamente, em superar o paradigma atual
que impede uma assistência integral humanitária
e social. Capra (1982) afirma que o
enfermeiro tem uma visão do cliente mais
intuitiva, integral e humanizada, mas que
ainda não é reconhecido pelo poder dominante
patriarcal. Essa reflexão é explicitada
pelo relato seguinte:
– Outra coisa seria essa abordagem, a
pessoa já ir preparado para atender o
paciente como um todo realmente, ela ver
o paciente físico, psiquico e emocional, e
a parte espiritual também. Então para que
ela possa dar uma assistência integral ao
paciente [...] Se você não ver o paciente
como um todo, fica difícil dar uma boa
assistência a ele.
4 METODOLOGIA
CIENTÍFICA DA
ASSISTÊNCIA E A
PRÁTICA
PROFISSIONAL
Percebe-se que os dados são significativos a
favor da viabilidade do processo na prática,
conforme indica a Tabela 2, onde 48% dos
enfermeiros depoentes da instituição A e
32,4% dos depoentes da instituição B a
consideram viável na prática. Uma posição
intermediário, ou talvez por indicar uma
adaptação da metodologia da assistência na
prática, é encontrada por 44% dos
entrevistados da instituição B e da instituição
A quando dizem que a metodologia é pouco
viável. Não se constata uma rejeição total à
metodologia da assistência, pois apenas 3%
dos depoentes da instituição A e 14,7% dos
depoentes da instituição B a consideram
inviável.
Entretanto, no hospital B a metodologia é
aplicada em alguns setores mas de modo
sumário: evolução e prescrição. Mesmo no
hospital A muitos enfermeiros falam de uma
adaptação do processo devido às condições
de trabalho, apesar de existir um plano padronizado
na instituição. Isto é demonstrado pela
seguinte citação:
Dentro do Hospital Universitário dá para
fazer alguma coisa, embora não seja
perfeito devido a falta de pessoal. Isto
dificulta um pouco o nível da assistência
e o plano de cuidados. Além do mais
aplicar a metodologia assistencial em
todos os pacientes fica difícil.
Nota-se uma tentativa em adaptar a metodologia,
quando se percebe que não é possível
aplicá-la de modo pleno, dada as condições
precárias de trabalho, tais como: equipe insuficiente
em número, má remuneração e
ações de enfermagem repetitivas e pouco
criativas, frutos das políticas institucionais e
devido às condições do Sistema de Saúde no
Brasil. Aspectos bastantes frisados nos
discursos dos enfermeiros, que geram insatisfação
no trabalho e forçam o enfermeiro
exercer funções estranhas a sua formação,
conforme os seguintes relatos:
O Sistema de Saúde está tão falido, e todo
mundo anda tão desanimado, que eu nem
sei se tenho coragem de sugerir alguma
coisa. Eu estou muito frustada com o
salário, com as condições de trabalho, que
Tabela 2: Opinião dos enfermeiros sobre a
viabilidade na prática da metodologia
da assistência de enfermagem,
RJ, 1993.
Opinião Instituição
A (%) B (%)
Viável 24 (48 %) 11 (32,4 %)
Pouco viável 22 (44 %) 15 (44,1 %)
Inviável 3 (6 %) 5 (14,7 %)
Não respondeu 1 (2 %) 3 (8,8 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
Fonte: Os autores.
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004. 93
nem sei. Acho que todo mundo está
deprimido, se pudesse todo mundo
mudaria de profissão, eu inclusive.
Falta tempo, número reduzido de
funcionários, número insuficiente de
material, estresse total no serviço.
A instituição exige do enfermeiro o controle
de material e o gerenciamento do pessoal de
enfermagem. Porém, na maioria das vezes,
uma assistência direta a todos os pacientes
se torna impraticável, conforme foi apontado
pelos depoentes quando se falou da necessidade
de uma melhor proporção enfermeiro/
cliente para que a metodologia, que é ensinada
na graduação, possa ser aplicada de
modo satisfatório.
Existe uma forte idéia de que a real função
do enfermeiro está no cuidado direto, porém
ele mesmo se sente deslocado de sua função.
Todavia, na maioria das instituições de saúde
no Brasil, o enfermeiro exerce o cuidado
indireto, o que se explica pelo quantitativo de
enfermeiros no País. De acordo com Almeida
(1986, p. 72-73) a “marginalização” da
enfermeira foi intensificado nas últimas
décadas devido ao crescimento da indústria
hospitalar e à expansão técnico-científico da
medicina, de modo que houve maior emprego
de atendentes e a função do enfermeiro ficou
a reboque desse transformação. Assim, a
instituição exige que o enfermeiro faça
funcionar o trabalho de enfermagem, não
exigindo a execução dos cuidados por ele, mas
a função de supervisor da assistência.
Portanto, o cuidado indireto. O trabalho do
enfermeiro fica, então, restrito às funções
repetitivas, apesar dos esforços de certos
enfermeiros para implementar um plano de
assistência frente as outras exigências da
instituição. Assim ressalta um enfermeiro:
O enfermeiro não vai ter tempo nunca de
fazer um planejamento sem condições.
Mesmo se ele parar só para fazer o
planejamento, não vai ser realizado, pois
os auxiliares não vão ter tempo de
executar.
Muitas funções administrativas, no que se
refere à assistência, cabem ao enfermeiro
exercer, mas aquelas de caráter repetitivo,
pouco criativo e burocrática merecem ser
questionadas quando da sua importância
para profissão, pois não são funções reais da
assistência. É comum o enfermeiro exercer
atividades para apoiar a prática médica, que
é mantida e legitimada no Hospital Universitário,
centro da difusão do saber médico
hegemônico (LUZ, 1986, p. 40), uma realidade
da prática impeditiva de um trabalho
construtivo de um saber em enfermagem.
Infelizmente, o enfermeiro tem um monte
de funções, que eu acho que não deveria
ter. Isso acaba prejudicando a assistência
ao doente, muita burocracia, muita
responsabilidade sobre esse aspecto. É
impossível alguém ser burocrata e
assistencial ao mesmo tempo.
O relato acima aponta que o deslocamento de
funções ligadas à assistência, o cuidado direto
e indireto, as condições de trabalho, o ensino
da metodologia da assistência individualizada
e idealizada, contribuem para serem elementos
de conflitos, que levam a refletir sobre a
identidade profissional do enfermeiro na
sociedade brasileira. Entretanto, percebe-se
pelo discurso dos depoentes, que há um reconhecimento
do enfermeiro como coordenador
da assistência, o qual tem competência
técnica e científica para tal fim. Um depoente
ressalta que
o enfermeiro é fundamental, pois ele é o
planejador da assistência e do setor de
trabalho.
As condições de trabalho fazem com que as
atribuições do enfermeiro se distanciem das
condições ideais de enfermagem acadêmica,
gerando impasses nas ações de enfermagem.
Constata-se uma preocupação em ter uma
diretriz que instrumentalize a assistência. A
metodologia da assistência de enfermagem
tem funcionado como um instrumento, permanecendo
como um suporte que delimita,
94 R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004.
em nível acadêmico, a função do enfermeiro.
Isso é ilustrado quando se diz que o enfermeiro
se sente realmente exercendo o seu
papel ao utilizar ações produtoras de uma
identidade profissional.
Estou trabalhando num setor onde
procuramos desempenhar realmente o
papel do enfermeiro.
A falta de delimitação de papéis na equipe de
enfermagem gera “crises” que, numa profissão
estratificada, contribui para a alienação
(SILVA, 1989). É importante nesse contexto
repensar sobre as reais atividades do enfermeiro
para evitar a continuidade do exercício
profissional em atividades estranhas as reais
funções do enfermeiro (Lei no 7498/86).
O enfermeiro busca encontrar seu espaço,
porém muito lentamente devido as
limitações do sistema operacional e a falta
de conscientização do próprio enfermeiro.
Sobre os benefícios da atual lei do exercício
profissional no que se refere à metodologia da
assistência, os dados da Tabela 3 demonstram
que 42% dos depoentes da instituição A dizem
que foi de poucos benefícios e 38,2% dos
depoentes da instituição B dizem que foi de
quase nenhum benefício. Isto indica a pouca
difusão e valorização da execução da lei no trabalho
do enfermeiro. Apesar de a lei do exercício
delimitar as atribuições
dos integrantes da enfermagem,
além de respaldar a
metodologia da assistência,
não é ela por si mesma que
levará as mudanças necessárias
na prática profissional,
pois o caráter metodológico
e legal da assistência,
há de se propiciar as
reais condições de trabalho
de enfermagem do Brasil
(LORENZETTI, 1987).
Sobre as experiências com o
processo de enfermagem,
observamos dados significativos na Tabela 4,
onde 42% dos depoentes da instituição A
utilizam continuamente no seu setor de trabalho,
em contrapartida apenas 15% dos depoentes
da instituição B a utilizam continuamente.
Tais dados encontram explicação
tendo em vista que a primeira instituição
adota oficialmente a metodologia, enquanto
a segunda instituição não a tem formalizada.
Aspecto que ficou bem caracterizado nas
entrevistas, onde os enfermeiros da instituição
A parecem conhecer melhor suas atribuições
em relação à metodologia da assistência.
Um enfermeiro do hospital A (que adota a
metodologia) faz o seguinte relato:
Tabela 3: Opinião dos enfermeiros sobre os
benefícios na prática da lei do
exercício profissional que respalda
a metodologia da assistência,
RJ, 1993.
Benefícios na
prática
nstituição
A (%) B (%)
Muitos 9 (18 %) 7 (20,6 %)
Poucos 21 (42 %) 8 (23,6 %)
Quase nenhum 10 (20 %) 13 (38,2 %)
Não respondeu 10 (20 %) 6 (17,6 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
Tabela 4: Experiência dos enfermeiros na aplicação do
processo de enfermagem, RJ, 1993.
Experiência na aplicação Instituição
A (%) B (%)
Sim, continuamente 21 (42 %) 5 (15 %)
Sim, esporadicamente 7 (14 %) 4 (11,5 %)
Sim, como estudante 15 (30 %) 18 (53 %)
Nunca tive 0 (0 %) 1 (3 %)
Sim, como estudante e esporadicamente 2 (4 %) 4 (11,5 %)
Sim, continuamente e como estudante 2 (4 %) 1 (3 %)
Não respondeu 3 (6 %) 1 (3 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
Fonte: Os autores.
Fonte: Os autores.
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004. 95
Nossa situação é até privilegiada, porque
a gente tem todo o processo aqui no
Hospital. Desde a implantação do
Hospital a gente segue todos os passos na
questão de histórico, nós temos uma
prescrição de enfermagem, um plano
diário de cuidados e a evolução. Isto por
se trata de um Hospital Escola.
Todavia a instituição B é um Hospital-Escola
e não adota a metodologia por não fazer parte
da filosofia daquela instituição. Entretanto,
os enfermeiros desse hospital dizem que está
ocorrendo esforços para implantação da
metodologia da assistência no Hospital B.
A metodologia da assistência está
começando a ser implantada aqui no
Hospital. Então vai começar pelo
histórico de enfermagem feito pela
internação e alta. Depois vão existir
clínicas que vão começar a implantar o
processo de enfermagem. Todavia aqui na
clínica médica ainda não está sendo feito.
Na expressão dos enfermeiros pesquisados do
hospital que adota a metodologia consideramna
como função ordinária do trabalho
institucional do enfermeiro, embora busquem
adaptações conforme a realidade. Na instituição
que não adota a metodologia formalmente,
constatamos a existência do uso eventual do
processo de enfermagem. Além disso, há
referência da existência de um processo
informal que indica uma preocupação, mesmo
que elementar, em sistematizar a prática
profissional. Diz um depoente:
Agora, em relação a metodologia
da assistência, é como
eu falei a coisa é muito no
sufoco. A gente faz de maneira
inconsciente, não é uma coisa
comumente planejada.
A Tabela 5 nos indica que 46% dos
enfermeiros pesquisados da instituição
A e 14,7% dos enfermeiros
depoentes da instituição B utilizam
a metodologia em todos os pacientes.
Certamente, esses dados nos apontam
uma sensível diferença e indicam, também,
que uma grande parcela não aplica o
processo em todos os pacientes. Apesar de a
instituição B não utilizar o processo de enfermagem
em todos os pacientes, nota-se uma
priorização na aplicação em pacientes graves
(35,3%) e em casos esporádicos (20,6%).
Faço levantamento das necessidades,
repassando os cuidados, fazendo os que
acho que requerem a atuação do
enfermeiro, delegando o resto.
A adaptação do processo de enfermagem na
prática profissional nos aponta dois aspectos.
Primeiro que o enfermeiro busca uma saber que
o instrumentalize. Segundo, que o processo de
enfermagem, sendo uma produção acadêmica,
com enfoque individualista, não atende às reais
necessidades do trabalho. Daí procurar-se criar
adaptações, implantando o processo nos locais
em que a proporção enfermeiro/leito seja
adequada. Por exemplo, na consulta de enfermagem,
no atendimento aos pacientes graves,
nas unidades fechadas, entre outros.
Há de se ver, também, que existe um planejamento
das atividades, mesmo que seja
informal, uma espécie de processo oculto que
é norteado pelas condições da instituição hospitalar,
que pode ou não, servir de interesse
para a enfermagem .
O processo de enfermagem não é utilizado em
todas as suas etapas na prática, conforme
indicam os dados da Tabela 6, onde a maioria
Utilização da metodologia Instituição
A (%) B (%)
Sim, em todos os pacientes 23 (46 %) 5 (14,7 %)
Sim, somente nos pacientes graves 6 (12 %) 12 (35,3 %)
Sim, em casos esporádicos 13 (26 %) 7 (20,6 %)
Não utiliza 3 (6 %) 9 (26,5 %)
Não respondeu 4 (8 %) 1 (2,9 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
Tabela 5: Opinião dos enfermeiros sobre a utilização
do processo de enfermagem na prática, RJ,
1993.
Fonte: Os autores.
96 R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004.
utiliza algumas etapas do processo: 64% dos
depoentes da instituição A e 73,5% dos
depoentes da instituição B. O que confirma
que há uma adaptação do processo de enfermagem
e sugere sua sobrevivência, mesmo
que precária.
Os enfermeiros mais qualificados procuram
falar de um processo de enfermagem mais
completo, próximo do preconizado pela
literatura. E sobre as etapas do processo
utilizadas pode-se falar da evolução e da prescrição.
Na prática profissional a efetivação de
todas as etapas é quase impossível. É importante
que o processo de enfermagem seja
inserido de modo a atender as reais necessidades
do ensino e da prática de enfermagem.
A utilização de algumas etapas do processo,
como a prescrição de enfermagem e a
evolução, indicam o caráter adaptativo e
fracionado que o referido processo tem na
prática do enfermeiro. A aplicação de partes
de determinados processos ou teorias na
prática, não implica na adoção de um deles
de forma integral.
Eu acho que em todos os hospitais por
onde eu passei, eu nunca vi um plano
completo, sempre vi o plano partido.
O processo todo não é feito, aqui e nem
nos outros lugares que trabalho.
Constatamos, mais uma vez, que não há uma
rejeição total à metodologia da assistência de
enfermagem; pelo contrário, vemos tentativas
de adaptação do processo de enfermagem na
prática pois os enfermeiros pesquisados, em
sua maioria, afirma, que o processo é útil na
prática.
Se você têm um metodologia para
organizar o seu trabalho, ele rende muito
mais, você trabalha muito melhor.
5 ENSINO E PRÁTICA DA
METODOLOGIA
CIENTÍFICA DA
ASSISTÊNCIA DE
ENFERMAGEM
Ficou evidente nesse trabalho que há uma
dicotomia entre o ensino e a prática de
enfermagem no que tange a metodologia da
assistência. O que nos leva a refletir melhor
sobre a realidade e a buscar novas maneiras
de agir próximas às nossas reais necessidades.
Os dados da Tabela 7 mostram que 52% dos
depoentes da instituição A e 61,8% dos
depoentes da instituição B consideram que a
formação não é coerente com a prática
profissional, no que diz respeito a metodologia
da assistência. Estes achados entram em
acordo com os de Utyama (1990) que diz que
70,8% dos 24 enfermeiros entrevistados
consideram o ensino do processo com a prática
profissional inadequado.
Tabela 6: Etapas da metodologia da assistência
utilizadas pelos enfermeiros,
RJ, 1993.
Etapas utilizadas Instituição
A (%) B (%)
Todas 10 (20 %) 2 (5,9 %)
Nenhuma 4 (8 %) 4 (11,8 %)
Algumas 32 (64 %) 25 (73,5 %)
Não respondeu 4 (8 %) 3 (8,8 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
Coerência entre a Instituição
formação e a prática
A (%) B (%)
Sim 19 (38 %) 9 (26,4 %)
Não 26 (52 %) 21 (61,8 %)
Parcialmente 1 (2 %) 0 (0 %)
Não respondeu 4 (8 %) 4 (11,8 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
Tabela 7: Opinião dos enfermeiros sobre a
coerência entre a formação e a
prática profissional no que se
refere a metodologia da assistência
de enfermagem, RJ, 1993.
Fonte: Os autores.
Fonte: Os autores
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004. 97
A formação baseada em literatura estrangeira,
distante da realidade social, conduz a
uma posição idealista da profissão de
enfermagem. A prática é determinada pelas
condições de trabalho direcionada pela
política institucional, que leva a um fracionamento
do processo de trabalho, anulação e
a perda de uma visão sobre a totalidade. É
preciso repensar a prática e o ensino de enfermagem
dentro de um contexto sóciohistórico
e não como um processo desvinculado
da realidade social. Neste contexto
relata um depoente:
Quando nós estamos na Faculdade é
ensinado mais a ser um enfermeiro
assistencial. Quando você passa para a
realidade, vai trabalhar no hospital, quer
seja público ou privado, você passa a ser
um administrador do serviço de enfermagem.
Então fica difícil você como
enfermeiro implantar o processo de
enfermagem porque você fica envolvido
com mil coisas administrativas, coisas até
do departamento pessoal e a assistência
mesmo fica em segundo plano
Obviamente, o conflito existente entre a docência
e a assistência é fruto de um contexto
histórico que levou à cisão entre os enfermeiros
docentes e os assistenciais. Isso ficou
evidente no trabalho, quando se fala que o
docente trata de teoria e o enfermeiro do fazer,
que é bem expressivo no hospital universitário,
onde se faz uma referência à integração
docente-assistencial.
Não há número suficiente de enfermeiros
para viabilização da metodologia
científica, e nem as instituições (inclusive
o hospital universitário) tem esse objetivo.
Além do mais, há uma clara divisão
entre o profissional ‘teórico’ e o prático,
pois em geral os profissionais que gostam
de atuar na teoria não tem participação
efetiva no campo.
Um dos aspectos interessantes nesse trabalho
é perceber que os depoentes ao responderem
sobre a metodologia se reportaram à graduação
e não necessariamente ao saber produzido
por suas práticas. Desta maneira fica evidenciando
o aspecto contraditório, entre o fazer
versus o saber no hospital universitário. Além
do mais, os enfermeiros da instituição B
sugeriram maior participação da Escola de
Enfermagem no Hospital Universitário.
A Tabela 4 demonstra que 30% do pessoal
pesquisado da instituição A e 53% do da instituição
B só tiveram experiência efetiva com
o processo de enfermagem na graduação. Esta
formação sugere que o processo tem se aplicado
mais na graduação do que na prática cotidiana
do enfermeiro:
Minha formação diz que seria possível e
necessário sua aplicação, na realidade
isso não ocorre.
A necessidade de se por em prática tudo que
se aprende, expressa a realidade da prática
do enfermeiro, onde predomina o fazer,
referendado pelo utilitarismo e por um pragmatismo,
de modo que não há uma valorização
dos conceitos teóricos assimilados,
mas de improvisações frente às condições
precárias da prática.
Todavia, a metodologia permanece como uma
referência com idas e vindas, que pode instrumentalizar
a prática, organizando-a e permitindo
uma assistência personalizada.
Nota-se como uma referência positiva da
formação quando ela subsidia a prática do
enfermeiro instrumentalizando para a ação
frente a realidade do trabalho. É notório que
há comumente conflitos entre a teoria e a
prática, mas isto pode ser amenizado, à
medida que o ensino atente para as reais
transformações sócio-históricas. Tal posição
passa pelo processo de conscientização,
pela superação da despolitização que aponta
para a realidade contraditória
(ALVES, 1987).
98 R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004.
6 IMPORTÂNCIA DA
METODOLOGIA
CIENTÍFICA DA
ASSISTÊNCIA DE
ENFERMAGEM NA
PRÁTICA
Apesar de as posições a respeito da metodologia
da assistência serem polêmicas neste trabalho,
consideramos que os enfermeiros investigados
falam da necessidade de um suporte que
respalde a assistência de enfermagem.
Não tenho dúvida que a metodologia é
super importante para a prática, porque
sem uma boa metodologia, não se tem
condição de fazer um bom trabalho.
A metodologia da assistência, por ter sido
iniciada na vida acadêmica, entra em contradição
com a realidade do trabalho do
enfermeiro, de modo que a aplicação é adaptada
e com aproveitamento de certas etapas
do processo. Entretanto ela é considerada por
uma significativa parcela como fundamental
para a prática. Isto está ilustrado na Tabela 8
onde 34% dos depoentes da instituição A e
44,1% dos depoentes da instituição B
consideram o processo de enfermagem como
fundamental para a prática.
A metodologia é importante segundo os
depoentes pelos seguintes motivos: valoriza
o trabalho do enfermeiro, registra as ações de
enfermagem, organiza a assistência, permite
uma visão holística do cliente e pode favorecer
uma uniformização da linguagem do enfermeiro.
Embora o processo de enfermagem seja
considerado importante, têm-se clareza de que
ele não é aplicado de modo eficaz por exercer o
enfermeiro atividades consideradas burocráticas.
Sobre as razões da não utilização da metodologia,
consideramos que as condições de
trabalho na saúde agem como fatores que
conduzem o enfermeiro a uma despolitização
que favorece o desconhecimento sobre seus
reais papeis. A falta de tempo para realizar a
metodologia ou uma melhor assistência direta
ao paciente é uma constante no discurso do
enfermeiro. O trabalho na instituição, muitas
vezes compartimentalizado, pouco reflexivo,
força o enfermeiro a ocupar um espaço que
não favorece a percepção da totalidade do seu
trabalho. Aliado a isto, o saber médico hegemônico
institucionalizado faz com que a
prática de enfermagem lhe sirva de esteio.
Todavia a inquietude dos enfermeiros frente
a realidade do trabalho e o desejo de buscar
uma racionalidade coerente do trabalho,
apontam para uma perspectiva de mudança
na profissão.
Dificuldades várias: leitos extras, déficit
de funcionários para cumprir prescrições
de enfermagem corretamente e na
íntegra. Na atual situação do hospital com
tanta falta de funcionário e o acúmulo de
pacientes [...] Há muitos remanejamentos,
o que dificulta muito o trabalho.
Tabela 8: Opinião dos enfermeiros sobre a importância do emprego da
metodologia científica da assistência de enfermagem na
prática profissional, RJ, 1993.
Importância da metodologia Instituição
da assistência na prática
A (%) B (%)
É fundamental para a prática 17 (34 %) 15 (44,1 %)
Sua utilização é de relativa importância 10 (20 %) 6 (17,6 %)
Pouco respalda a prática 4 (8 %) 4 (11,8 %)
Não tenho posição definida 5 (10 %) 5 (14,7 %)
Não respondeu 4 (8 %) 4 (11,8 %)
Total 50 (100 %) 34 (100 %)
Fonte: Os autores.
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004. 99
7 CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Concluímos que os objetivos iniciais foram
atingidos pois conseguimos entender a
realidade do enfermeiro frente a metodologia
da assistência. Os achados das entrevistas
vieram confirmar os dados qualitativos e
aprofundar a percepção do enfermeiro em
relação a metodologia. Tais resultados demonstram
ser a metodologia importante para
a prática profissional por facilitar o trabalho
e valorizar as ações dos agentes de enfermagem
por meio dos registros. Todavia, os
desabafos dos enfermeiros em relação às
condições precárias de trabalho mostram a
existência de entraves para ações de
enfermagem coerentes com a formação.
O trabalho permitiu o surgimento de determinadas
questões que apontam as condições
de trabalho do enfermeiro, tais como: desproporção
enfermeiro/leito, ausência de uma
filosofia de trabalho, distorção entre a formação
e a prática, problemas referentes às
atribuições do enfermeiro, preocupação em
conceder uma assistência de qualidade,
sobrecarga de trabalho, e assim por diante.
Tais questões indicam uma inquietação e
insatisfação do enfermeiro com as condições
de trabalho na saúde que impede uma assistência
de enfermagem de qualidade e, também,
que venha a reconhecer o papel social
do enfermeiro.
Embora o processo de enfermagem não seja
aplicado de modo efetivo em todas as situações,
consideramos que o enfermeiro adota
um planejamento no seu trabalho, mesmo
de modo informal. Isto nos permite constatar
que existe um processo oculto na prática, que
expressa as condições de trabalho do enfermeiro.
Não obstantes as críticas relacionadas à metodologia
da assistência, considera-se que ela,
em certas situações, fundamenta a prática da
enfermagem e permite maior organização da
assistência. Além disso, percebe-se uma
necessidade de buscar uma racionalidade ou
um saber que respalde esta prática.
Nota-se que os enfermeiros que adotam a
metodologia consideram-na como parte da
rotina de trabalho. Entretanto, as constantes
referências às precárias condições de trabalho
e ao ensino idealista forçam adaptações na
implementação do processo. Percebe-se um
hiato entre a graduação e o trabalho do
enfermeiro no que se refere a metodologia da
assistência.
Os achados nos levaram a elaborar algumas
propostas que, no nosso entender, possam
minimizar as contradições relacionadas à
metodologia da assistência de enfermagem:
– é importante que a equipe de enfermagem
realize reuniões para discutir estratégias
para planejar a assistência de modo
criativo, visando atender às condições de
trabalho;
– repensar o ensino da metodologia nas
universidades e procurar inseri-lo de
acordo com as condições das práticas de
saúde no Brasil;
– promover trabalhos comuns entre os docentes
e os assistenciais no sentido de permitir
uniformização de estratégias nos hospitais
universitários, tendo em vista que os
enfermeiros demandaram maior participação
das Escolas de Enfermagem no Hospital
Universitário;
– rediscutir as reais atribuições do enfermeiro
frente as condições de trabalho, o ensino e
a lei do exercício profissional É importante
repensar a utilização dos serviços ditos
burocráticos para a assistência e para a
construção de um saber que dê sustentação
à prática de enfermagem.
Uma assistência contextualizada com a realidade
social que cuide do sofrimento psíquico
e físico dos clientes bem como dos trabalhadores
de enfermagem se faz necessária.
Desta forma estaremos buscando uma maneira
coerente de pensar e fazer na enfer100
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004.
magem. A metodologia pode funcionar como
um fio condutor dessa procura, mesmo que
futuramente busquemos outros recursos para
cuidar do outro de modo eficaz.
Nurses perception concerning scientific
methodology on the nursing care
ABSTRACT: This paper aimed at doing critical assessment of the scientific methodology on
the nursing care facing the nurse’s reality in the practice. It is a qualitative as well as quantitative
research. 84 nurses working at two universities of Rio de Janeiro State answered the protocol
elaborated and 26 were interviewed. The following categories: knowledge, methodology and
professional practice, and the nursing process importance. It is concluded that the working
conditions, the institution politics, the reduced manpower and the medical hegemony, make
it more difficult for the adoption of the nursing process in the practice field. There is a
dichotomy between the theoretical concepts learned in the university graduation course and
the professional practice is considered by a significant group as fundamental for the
professional process.
Keywords: Nursing. Care. Methodology.
Percepciones de los enfermeros sobre la
metodología de la assistencia en
enfermería
RESUMEN: Este trabajo cumple una evaluación crítica de la metodologia científica de la
assistencia de enfermeria en el contexto del trabajo del enfermero. Se trata de una investigación
cuanticualitativa. Fueron aplicados cuestionarios en 84 enfermeros y cumplidas 26 entrevistas
en sujetos internados en hospitales de dos universidades en el Estado del Rio de Janeiro. Se
eligió las seguientes categorías: conociemento, metodología y práctica profesional, enseñanza
y práctica de la metodología, importancia del processo de enfermería. Se concluye que las
condiciones de trabajo, la política institucional, la deficiencia de profesionales y la hegemonia
médica dificultan la implantación del proceso de enfermería en la práctica. Existe una
dicotomía entre los conceptos teóricos adquiridos en la graduación y la práctica profesional.
El proceso es considerado por una parcela significativa como fundamental para la práctica
profesional.
Palabras-clave: Enfermería. Asistencia. Metodología.
R. de Pesq.: cuidado é fundamental, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1/2, p. 87-101, 1./2. sem. 2004. 101
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